"A pobreza é a pior forma de violência" (M. Gandhi)

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"A pobreza é a pior forma de violência" (M. Gandhi)

segunda-feira, 16 de março de 2015

A Vida é um Milagre


Apareceu um dia, sem que me tivessem dito que vinha.

Chegou ao Centro de mau humor, um menino ainda pequeno, mas com ares de homem grande.

Já lá vão quase 6 anos!

Desde o primeiro dia em que o vi, apercebi-me que estava perante um menino sem problemas de auto estima, coisa que era deveras fora de vulgar nas crianças que me eram trazidas para o Centro.
O Edwin olhava dentro dos olhos, com segurança, muitas vezes até com altivez e sem medo.

Fora do seu meio, longe do mato donde viera, nada nele mostrava qualquer tipo de receio: apenas uma irritação profunda e um descontentamento por estar num local onde lhe diziam o que podia ou não podia fazer. Nada disso lhe era familiar.

"Onde é a porta? Como saio daqui?"

Escapou-se 3 vezes e 3 vezes voltou! 

"Sei lá onde estou? Como voltar para a minha casa? Pelo menos aqui tenho comida, uma boa cama. Mas não gosto de estar preso. Quero correr pelo mato, ir e voltar quando bem me apetece, ninguém me diz o que fazer, isso não! Ah! Aqui vou à escola e isso eu gosto. Um dia a minha mãe e a minha avó vão-se orgulhar de mim. E aquela senhora de cabelo cor do sol e pele branca, a Laura, é minha amiga, sorriu-me e gostei dela. Gosto de dançar com ela. Ela gosta de música.
Chamam-lhe mummy Laura. Mãe branca? Porque não?
Aqui há outros rapazes como eu e raparigas também. Por vezes, bato-lhes e não sou um bom menino como me pede a mummy Laura. Gosto de ser eu a mandar neles: no mato, perto da minha aldeia, os meninos eram maus e nunca queriam andar comigo. Faziam pouco da minha mãe porque era muito pequenina e esquisita e por isso ninguém nos visitava ou ajudava. Estúpidos! E levavam porrada, ah se levavam!

Mummy Laura já foi embora. Quando voltará? Gosto dela! Jantar? Comer? Tanta comida! E o meu irmão? E a minha mãe? Sim, sem nada como todas as noites, e aquele cheiro do cheng'a  , melhor do que as dores de barriga da fome. Choro porque agora tenho muito e eles nada!
Vou pedir, sim, vou pedir à mummy Laura para trazer o meu irmão  e para ajudar a minha mãe. Ela vai fazê-lo, tenho a certeza!

Escola, Centro, Centro, Escola e aqueles homens da minha aldeia… mas não mandam em mim… ninguém manda. Eles não são bons. Fico no meu canto e se me provocam, bato! Oiço o meu rádio que um padrinho que não conheço me mandou.


Quando é que ela volta?

Oiço dizer que voltou para a terra dela para ir buscar dinheiro para comprar a nossa comida e que vai voltar… tem de ser depressa…isto é aborrecido sem ela…

Mummy Laura regressou! Fiquei muito feliz! Vamos dançar e fazer uma festa, tenho  a certeza, e ela vai fazer um almoço diferente, como sempre faz.

Perguntou-me, qual era o meu sonho? Não entendi! O que é isso? Sei lá?
Perguntou-me o que queria ser quando crescesse? Polícia? Sim as pessoas têm medo deles e gosto que tenham medo de mim. Às vezes até faço olhos de mau e os outros miúdos assustam-se.
Também posso ser um DJ que está sempre a ouvir música!
Na escola respeitam-me e dizem que sou bom a jogar futebol. Eu gosto, sinto-me bem a jogar à bola. Será isso um sonho? A mummy Laura diz que sim, que pode ser e que temos de lutar pelos nossos sonhos: eu sou bom a lutar.
Na aldeia, todos os dias lutava até para comer, até para ver o dia seguinte.

Lutar também quer dizer ter esperança. Essa foi uma palavra que a mummy Laura me ensinou, mas demorei tempo  a entender.

Recordo-me pensar muito, enquanto estava no Centro, nas coisas que ouvia, Deus, Esperança, Futuro, Sonho, e pensava o que seria tudo isso. Tudo isso que a mummy Laura me havia dado e sabia que era muito importante, tão importante com um prato cheio de comida.
Acabei por entender, mais ou menos no começo, mas hoje sei o que é tudo isso! Por isso digo e afirmo: a Vida é um Milagre!

Tive sorte, fui um dos meninos, como todos os outros de Centro Wanalea, que tiveram sorte! Vou aproveitar a oportunidade que me foi dada: estou em Portugal, tenho padrinhos e madrinhas e tenho um pai que não é meu pai e que me ama como a um filho, e tenho uma mãe que não é minha mãe e me ama como a um filho. Ah e jogo futebol.
Digam se isto não é um milagre? É sim, um milagre!

O meu irmão está no Centro Wanalea e a minha mãe, que a mummy Laura ajuda, na aldeia e sossegada porque os filhos estão bem, tiveram muita sorte.

À noite, quando o sol se põe a as estrelas enchem o céu em Kissii, a minha mãe levanta as mãos para o firmamento e agradece sei lá como ou a quem… mas acho que é a Deus, pois é a Deus que eu todos os dias agradeço.


Amanhã? Veremos, mas sim amanhã é sempre bom porque a Vida , a Vida é um Milagre!






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