"A pobreza é a pior forma de violência" (M. Gandhi)

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"A pobreza é a pior forma de violência" (M. Gandhi)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Viver num bairro de lata do Quénia em tempos de crise alimentar...

No bairro de lata de Mukuru em Nairobi vivem cerca de 200.000 pessoas. A alarmante subida de preços torna impossível para estas gentes o acesso aos alimentos básicos.
O mesmo acontece no bairro de lata de Soweto, Kayole, com 400,000 pessoas ou o de Kitui Ndogo, Majengo. Neste dois últimos a ADDHU tem realizado distribuição de alimentos de forma regular. Até quando? Só a boa vontade e a solidariedade de todos nós o dirá.




Como tem sido largamente noticiado a pior crise humanitária de sempre tem vindo a devastar a região do Corno de África: na semana passada o preço dos cereais atingiu novamente preços recorde no Quénia, na Etiópia e na Somália. Ainda para mais, começa a haver escassez no abastecimento de cereais e outros bens básicos. A pior seca dos últimos 60 anos em combinação com os alarmantes aumentos nos bens alimentares básicos e nos combustíveis criaram um “triângulo da fome” que deixou mais de 12 milhões de pessoas sem meios para se puderem alimentar.




No Quénia, 3,5 milhões de pessoas enfrenta uma situação de fome extrema. De acordo com dados recentes, 385.000 crianças e 90.000 mulheres grávidas e a amamentarem sofrem de má nutrição. Estas gentes que vivem em bairros de lata estão a sentir de forma bem dura os efeitos da seca. Em Nairobi estima-se que dois terços da população vive em bairros de lata.
Estas famílias têm de pagar alojamento, o uso diário de latrinas, água, querosene para cozinhar e para as lamparinas, transportes, propinas escolares (mesmo as públicas) e os cuidados de saúde (mesmo em hospitais públicos).




Por causa da seca, os preços subiram 200% e há escassez de alimentos como a farinha de um milho próprio com que fazem o ugali, base da alimentação de quase todos os quenianos.
Como é que sobrevivem? As histórias são muitas e repetem-se assustadoramente: prostituição de uma jovem mãe que recorre a esta prática para alimentar a sua filha e que passado pouco tempo, já são dois filhos e depois três, enfim, um circulo sem fim; outros dedicam-se à venda de drogas e roubo. É comum ver-se nos bairros de lata crianças que chupam pedrinhas para enganar a fome ou outras que cheiram cola para se sentirem dormentes. Muitas das raparigas que se dedicam à prostituição chegam de manhã a casa da vizinha que ficou a tomar conta dos filhos trazendo 50 shillings (cerca de 40 cêntimos), por vezes nem isso pois não foram pagas ou foram espancadas. Por vezes, trazem um pouco mais de dinheiro. Mas como continuar a sobreviver se devido à seca 1 quilo de farinha com que alimentavam os filhos por 2 dias, e que custava 50 shillings, custa agora 200? E os 8 euros que têm de pagar para viverem num buraco infecto sem qualquer tipo de condições mínimas nem para um animal, quanto mais para um ser humano? A lista é longa e conheço de perto esta realidade.




Tento, tudo faço para ajudar, não todos seria impossível, mas o maior numero possível e tenho de pedir a Deus que me dê forças para ficar feliz com os que ajudei e não chorar pelos que tive de deixar de fora. Mas confesso: é díficil, muito difícil.




E lidar com a indiferença dos meus amigos, família, com as empresas que se cobrem com o chapéu da crise para dizer NÃO. Ou outras que nem abrem o e-mail?
Tenho de agradecer a todos os que me ajudam, cuja a grande maioria nem sequer conheço, mas que respeitam o meu trabalho e o dos meus parcos colaboradores e que acima de tudo, por pouco que tenham, partilham com aqueles que nada têm.
Um grande bem hajam para estas almas grandes, para os padrinhos e madrinhas dos meus meninos, para os que têm oferecido sacas de feijão, arroz, farinha e assim ajudar-me a aliviar a fome daquelas gentes, para aqueles que telefonam para o nosso numero solidário e divulgam e pedem juntamente comigo. Não gosto de pedir: magoa-me quando me dizem que não, quando voltam a cara. Mas tenho de ser humilde e tenho de continuar a pedir, quase a implorar tendo sempre na minha mente aqueles olhinhos de aflição, mas também de gratidão: “Afinal, dizem, estes não tiraram só fotografias, estes voltaram e deram-nos comida.”




Para terminar deixem-me que vos conte uma história que uma das voluntárias que esteve no meu Centro me enviou e que me confortou:
‎"Um executivo em visita a uma cidade turística saiu do hotel em que estava hospedado certa manhã para caminhar. Quando chegou à beira da praia, deparou com uma visão atordoante: inúmeras estrelas-do-mar haviam sido lançadas na praia durante a noite pela maré alta. Ainda estavam vivas e se moviam, subindo umas em cima das outras na tentativa de voltar para o oceano. Aquele homem tinha consciência de que não demoraria muito até que o sol cozinhasse aquelas pobres criaturas. Ele queria fazer alguma coisa, mas havia milhares delas, até onde se os olhos podiam ver e, qualquer tentativa de salvar todas elas seria inútil.
Assim, seguiu em frente. Caminhando um pouco mais pela praia, viu um menino que se abaixou, pegou uma estrela-do-mar e jogou-a como um frisbee de volta ao oceano. O menino repetiu o processo várias e várias vezes, aumentando cada vez mais a velocidade, numa óbvia tentativa de salvar o máximo possível delas.
Percebendo a intenção do menino, o executivo sentiu-se na obrigação de ajudá-lo e também ensinar-lhe uma dura lição de vida. Foi até o pequeno e disse:
- Filho, deixe-me dizer-lhe uma coisa. O que você está fazendo aqui é nobre, mas não é possível salvar todas essas estrelas-do-mar. Existem milhares delas. Está começando a ficar muito quente, e todas elas vão morrer. É melhor você seguir seu caminho e brincar. Não dá para faze nenhuma diferença aqui.
O menino não disse nada num primeiro momento; ficou simplesmente olhando para o executivo. Então, abaixou-se, pegou outra estrela-do-mar, jogou-a no oceano o mais longe que pôde e disse:
- Bom, eu fiz toda diferença para essa aqui."
Obrigada Marta!