"A pobreza é a pior forma de violência" (M. Gandhi)

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domingo, 28 de julho de 2013

ADDHU: Verdade

ADDHU: Verdade: Quénia, 2012, Kayole, perto de Nairobi Que calor meu Deus! Em Abril até nem é habitual, mas hoje está um calor insuportável. Pare...

Verdade



Quénia, 2012, Kayole, perto de Nairobi


Que calor meu Deus! Em Abril até nem é habitual, mas hoje está um calor insuportável. Parei o carro, a caminho do bairro de lata do Soweto onde faria uma das habituais distribuições de alimentos, uma parca ajuda, mas ajuda, às pessoas mais carenciadas: mães solteiras, idosos, crianças.

Que sol abrasador sobre a minha cabeça enquanto sorvia com prazer a água fresca da garrafa que havia comprado no supermercado!

Em meu redor, o habitual: pequenas barracas meia tortas, de uma madeira queimada pelo sol e apodrecida pela chuva, vendiam fruta, mandazi e uns gelados de aspecto muito duvidoso, pelo menos para mim, feitos com água sabe-se lá donde teria vindo.

"Mom"... "Mzungo".... Olhei e vi um rapazinho de talvez uns 8 anos, descalço, calções sujos e rotos, tronco nu...como qualquer outro rapazinho de rua...tanta poeira sobre o seu magro corpinho que estava meio amarelado por cima da sua pele negra.

Estendeu a mãozinha na minha direção...perguntei: "E a Escola?" Ingénua e estúpida pergunta, mas saiu-me, com a naturalidade de quem, mesmo depois de alguns anos, pelo menos nas suas reações mais espontâneas, ainda não possui a realidade daquele mundo.

 Acenou que não e olhou para o chão.

Levantou a cabeça e os seus olhos de pupilas negras flutuando num lago amarelado, encontraram os meus...senti carinho...humildade...sem rancor ou revolta.

"Tenho fome, disse"...

Numa dessas barracas comprei três mangas, maduras e cheirosas como só em África se encontram, quando é a sua estação.

"Toma"... e ele correu sorrindo...olhei-o observando os seus movimentos...

O vendedor de mangas tirava-lhes a pele, com cuidado...o menino pegava nelas, também com cuidado como um bem precioso...

Vi-o pegar numa, na maior, mas pegou-lhe fazendo uma espécie de luva de um saquinho de plástico transparente...limpo...

Correu para mim... e de novo olhou-me com aqueles olhos sossegados que me fez pensar ..."como é possível?...

Sorri...ele estendeu-me a mão onde segurava a manga, limpa, sem o pó da sua maozinha suja... e disse-me com um sorriso muito aberto, feliz : "Toma...dá a primeira dentada...foste tu que me deste de comer..."

Olhei-o nos olhos que brilhavam de alegria e senti-me paralisada...nem palavras...nem movimento...nem nada...só aqueles olhos e aquela mão estendida...e o odor da manga... e a sua cor amarela alaranjada...

Sai daquele torpor e balbuciei..." Obrigada meu querido, come tu toda..."O rapaz deu meia volta, chamando outros rapazinhos como ele, uns três ou quatro e, deliciados, comeram as três mangas.

Ainda sem conseguir reagir... senti duas lágrimas correrem pela minha face...não de tristeza...talvez emoção... gratidão por ter tido o privilégio de assistir a um ato de uma tal nobreza que me restituiu, por momentos, a Fé no ser humano, na Verdade, no Amor sem a ação do pensamento... puro... natural...

Como aquele haveria de assistir a mais...