É noite. Na região do Monte Quénia as noites são frias. O Cristiano é um menino de talvez uns 7 anos. Não se sabe ao certo. Não tem certidão de nascimento. Pai? Mãe? É um menino de rua, como tantos outros, que vagueia invisível e que se desaparecer ninguém vai notar.
Nessa noite, o Cristiano tem fome, está descalço, uns calções rotos e sujos e sem camisa.
Alguém teve pena dele.
O Cristiano chegou ao Centro Wanalea em 2008, no mês de Maio, numa noite não tão fria como as da região de Meru, no Monte Quénia. Estava um pouco assustado. Aquele ambiente era tão diferente do que estava acostumado. Havia outras crianças que sorriam e lhe davam as boas vindas. Uma senhora de olhar meigo e sorriso encantador deu-lhe um prato com feijão legumes estufados e chapati. O Cristiano arregalou os olhos ao ver o prato cheio: mal podia acreditar. Comida, sem ter de roubar, sem ter de fugir e que cheirava tão bem.
Nessa noite, grande parte do tempo a mesma senhora de olhar meigo e uma outra mais novinha tiraram-lhe das pernas, com jeitinho, as carraças que aí estavam há sabe-se lá quanto tempo. Doeu, mas aliviou!
O Cristiano nessa noite dormiu numa cama, com colchão e até um lençol e cobertor.
Nos meses que se seguiram, o Cristiano frequentou a escola no Centro com as outras crianças; fez amigos, comeu até se fartar e, a pouco e pouco, começou a rir, a brincar e foi esquecendo. Só algo ficou, como se estivesse gravado na sua memória, na sua carne: a fome! O Cristiano durante muito tempo, todas as noites levava nos bolsos do pijama e, pensava ele, às escondidas restos de comida, arroz, feijão, e dormia sossegado.
Ainda hoje, quando chega a hora da refeição e, por qualquer motivo, há um atraso, o Cristiano fica cabisbaixo, não fala, não sorri, espera...
O Cristiano é um menino adorável: tem, agora, 10 anos, certidão de nascimento com data e tudo e já festejou este ano pela primeira vez o seu aniversário com uma bonita festa, os seus irmãos e irmãs do Centro e mais alguns amigos que convidou da escola particular que agora frequenta.
Tem uma mãe "mzungo", a mummy Laura, outra mãe-irmã também "mzungo" e a mesma senhora de olhar meigo que olha por ele com carinho e um senhor que está sempre no Centro, que toma conta de tudo com a mummy Laura e que sabe ralhar quando é preciso, que sabe castigar com amor.
O Cristiano é um menino normal, feliz, que dá gargalhadas encantadoras, que faz rir toda a gente, que é um estudante um pouco preguiçoso, mas com notas satisfatórias e que, por vezes, conta umas histórias que nem ele sabe bem donde lhe vêm, mas que provavelmente são memórias que agora fazem rir e com que goza, mas que dantes magoava, e muito.
Hoje, pergunto-lhe: "Cristiano como era a tua vida antes de vires para o Centro?" Ele responde com um sorriso:"Não sei, não me lembro." E dá uma daquelas gargalhadas que tanto gosto de ouvir e sai a correr com o seu modo desengonçado, descontraído.
Afinal, o Cristiano nasceu no dia em que chegou ao Wanalea Children´s Home!
Muito bom ler te outra vez!
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